segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Porta estreita

 "- Eu poderia estar com você.. basta você querer, basta você dizer. E eu vou".

Eu sei que você vem!
Mas não ouso dizer que quero que você venha.
Sabe, ironicamente li sobre portas hoje. Mas há tempos sei que você vem.
Como eu te disse, a gente se conhece bem demais!
Você nem precisava dizer, eu já havia lido você  como você leu as linhas da minha boca.
Se alguém passa pela porta ampla, ela se fecha ou dá pra voltar atrás?
Me pega pela cintura e me guia pela porta, se quiser posso te guiar, sei que gosta quando te levo.
Soube que você era o caminho que conduzia pra perdição no momento exato em que me atravessou, mas eu fui.
Conjecturamos voltar pela porta. Em vão, não é o que desejamos. A verdade é que quero me afundar cada vez mais, descer degrau por degrau e cair nesse abismo que me puxa e cala meus pensamentos que nunca se calam.
É perigoso seguir! Avisei mais pra mim mesma que pra você.
Nós bem vimos as placas de pare na estrada e passamos por cima de umas cinco. Chegamos duas vezes a olhar pra uma placa que dizia ser proibido ultrapassar e até nos perguntamos se não era melhor seguir na estrada certa. Mas ultrapassamos mesmo assim.
Nós já estivemos na rota certa uma vez, lembra?
Eu sei que sim, assim como me lembro de cada pinta do seu corpo ou como você lembra de cada toque meu.
Você nem precisava dizer mas se é pra falar de pecados, confesso que foi uma delícia ouvir. E no final você tinha razão, não era tão gostoso quanto sua boca. Não quando ela sugava qualquer parte de mim.
Tenho uns três textos sobre você e nenhum deles está terminado. Acho que hoje descobri porquê.
Inexplicável sempre foi a palavra mais próxima pra explicar a eletricidade que sempre explodiu entre nós a menor troca de olhares, ao menor toque, a menor palavra.
O simples som da sua voz arrepia minha alma e me joga de novo no lago negro dos seus braços. De repente também sou lago, água líquida escorrendo pelo seu corpo incandescente e você mergulha, derrete, evapora.
Explode em prazer e se perde sempre que me toca.
Se soubéssemos que aquela seria a última vez, teríamos feito algo diferente?
Engraçado é que eu que fechei a porta e foi difícil fechar, ela era enorme. Aquelas portas grandes de cinco metros que víamos na TV.
Foi tão difícil fechar e a fechadura era alta demais pra trancar.


"..larga é a porta e espaçoso é o caminho que conduz para a perdição.."  (Mateus 7:13)

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Reencontro

Sempre fui do tipo romântica, dessas que achava que ia encontrar um amor só pra vida toda, aquela alma gêmea de filme que faz nosso coração suspirar e nunca mais olhar para os lados. Mas a verdade é que tive amores suficientes pra uma série de TV, talvez mexicana. Se eu contasse sobre certos episódios da minha vida, certamente essa série série seria mexicana, dessas cheias de coincidências, reviravoltas e reencontros.

Hoje me peguei pensando nesses reencontros. Na verdade reencontrei você e quando seu rosto chegou perto do meu me despertou sentimentos que eu não queria ter, uma vontade quase incontrolável de chegar o rosto mais perto do seu e deixar que seus lábios desenhassem os meus como antigamente, uma memória corporal de quando nossos corpos se encaixavam como peças de um quebra cabeça. Acho que ele queria se encaixar de novo. Talvez ele ainda pense que cabe mesmo que tenhamos mudado tanto, mas nem mesmo sei se um dia coube tão bem pra você quanto coube pra mim. Confesso que não me surpreendi quando minha pele se arrepiou com seu toque, sempre foi assim, mas confesso também ter esperado que dessa vez ela não se arrepiasse, não depois de tantos anos, não com outras pessoas envolvidas e não depois de tantos encontros e desencontros. Talvez você seja o reencontro mais constante na minha vida. Já me apaixonei por você tantas vezes e tenho certeza que sabe de uma ou duas dessas vezes, talvez tenha se apaixonado também em uma dessas ou tenha sido só minha vontade de ter provocado em você o incêndio que provoca(va) em mim.
Me peguei pensando em todos os nossos reencontros e mesmo agora dentro do ônibus, a caminho do que eu escolhi como certo pra mim, senti minha respiração ofegante quando lembrei da nossa dança. Aqui no sentido literal da palavra, mas poderia bem ser sobre essa dança que durou tantos anos. Talvez tenha sido mais um jogo do que uma dança e a verdade é que eu queria ter jogado menos e vivido mais você, amado mais você, lido mais você.
Escrevo em um bloco de notas mesmo preferindo papel (você bem sabe que sempre carregamos alguns vícios em comum, nunca soubemos se foi pelo convívio ou quando começou), escrevo aqui mas queria ter te contado que hoje sonhei com você.. No sonho nossos corpos não encontraram o limite, acordei com seu gosto, nem sabia que ainda lembrava dele.
Uma parte de mim pensava que um desses reencontros seria o derradeiro e eu escolheria ficar. E você escolheria ficar.
Mas não foi assim.
Nos conhecemos fazendo o que eu mais amo na vida, talvez seja o que você mais ame também.
Nos desencontramos.
Nos encontramos novamente fazendo algo que eu odiava e você odiava.
Nos desencontramos.
Nos encontramos em amigos em comum.
Nos desencontramos.
E assim por incontáveis vezes você voltava pra minha vida nas situações mais incomuns. Em muitas delas nossos corpos se esqueceram onde começava um e onde terminava o outro, em muitas delas senti que meu coração ia parar.
O calor da juventude torna tudo mais intenso.. a se eu soubesse naquela época que nenhuma daquelas histórias importava e que poderíamos sim sermos mais que amigos.
Acho que você sempre foi mais que isso.
Mas hoje nos encontramos depois de seguir um caminho tão igual, ao mesmo tempo tão diferente e tão distante. Depois de nos rendermos aquilo que odiávamos, de conhecer outras pessoas, nos reencontramos exatamente como no primeiro encontro, fazendo o que eu mais amo na vida. E assim como naquele dia eu não pude te contar como eu queria você.
Talvez você seja mesmo meu reencontro mais constante. 

terça-feira, 14 de junho de 2022

Madrugada

“Teus sinais, me confundem da cabeça aos pés, mas por dentro eu te devoro..”

Você cantava e olhava pra mim cansado, dizia que meus sinais confundiam na mesma intensidade em que você me devorava.
"Teu olhar  não me diz exato quem tu és, mesmo assim eu te devoro.."
Te devoraria sim quase a qualquer preço, e bem sabíamos nós quais eram esses preços. Pagávamos parcelado em notas que caiam do seu violão madrugada a dentro.
As vezes antes, as vezes depois..
A música, seu violão e sua voz inebriante embalavam nossas madrugadas sempre regadas a sexo, cerveja e boa conversa.
Djavan poderia facilmente estar falando de você quando cantou sobre as criações de Deus e naqueles pequenos instantes das madrugadas ele realmente dava minha vida pra você. Vivíamos nosso pequeno universo e naquele momento não queríamos outra vida.
Uma voz e um violão sempre me encantaram, você sabe bem disso.
É pecado dizer que sempre gostei mais dessa música na sua voz do que na original?
Você ia me apresentando notas, versos novos e sempre acabávamos nesse que me encantava.
Passei anos sem ouvir essa música, talvez ela me lembrasse você ou ela tenha deixado de ter graça em outra voz.
Ontem me lembrei do quanto quase nunca falamos sobre a psicologia e nossos trabalhos em comum e da leveza das nossas madrugadas, deve ser porque era seu aniversário ou porque sua voz ecoou em meus ouvidos novamente, enquanto você me contava sobre sua vontade de me devorar, me pedia pra largar tudo e fazer de você casa.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Doce canção de Amor

Adoro a Grécia, acho que tudo sobre ela me fascina, mas naquela noite eu não conseguia tirar meus olhos de você. 

Não consigo me lembrar bem o que diziam sobre a Grécia, devia ter prestado mais atenção. Acho que as histórias sobre os deuses sempre despertaram um interesse especial em mim, mas naquela noite eu só conseguia pensar em você. 

Queria ter dito que eu só pensava em você e nesse olhar que tem o poder de tragar minha alma. 

Acho que na época eu gostava de jogos, talvez tenha achado legal que outros disputassem minha atenção, acho muitas coisas sem ter certeza de nada e hoje acho que deveria ter seguido o exemplo de Helena e fugido com Paris sem me importar com qualquer consequência. 

Ah se você soubesse que meu coração não era tão difícil de domar quanto o leão de Nemeia, pelo menos não pra você. 

Talvez se você soubesse o jogo teria perdido a graça, não pra mim, mas pra você. 

Talvez se eu mesma soubesse que naquele instante você já tinha domado meu coração eu poderia ter ido embora com você. 

De novo, acho muitas coisas, mas acho que naquela época a lua me assustava, eu era orgulhosa demais e sentia que meu coração não era forte suficiente pra arriscar. 

Não tão bravamente quanto Hércules, escolhi o que era fácil.. Mas naquela noite eu só conseguia olhar pra você, que como a flecha que perfurou Aquiles, perfurou a armadura que cobria meu coração. 

terça-feira, 26 de abril de 2022

Logo Nós


Pandemia 

Vírus espalhado 

Me sinto de mãos atadas 

Visitas em abrigos já não podemos mais fazer 

Abraçar crianças é algo impossível de ser 


Logo nós, tão ativos companheiros 

Logo nós, sempre prontos pra servir 

Logo nós, calorosos e gentis 


Nos vimos presos em quatro paredes 

Nos vimos longe de eventos e amigos

Nos vimos em meio a uma tragédia global  


Logo nós, mentes criativas 

Percebendo que o “nós” é o mundo todo 

Que sofre à espera da cura 

Transformamos o caos em pequenos fragmentos de luz

Descobrindo novos meios, novas faces

Novos horizontes do servir 


Alguém precisava fazer 

O mundo clama por ajuda!

Logo nós, mentes inquietas 

Que sempre aprendemos a liderar e a servir 


Chegou a hora então de se reinventar 

Fazemos isso o tempo todo, por que não fazer agora? 

Nesses novos horizontes reuniões digitais foram descobertas 

Novas formas de ajudar e trabalhar brotam a cada instante. 


Tirando-nos da zona de conforto

E na zona o que conforta é saber que não somos só nós

É ver a cada ação, milhares de pessoas se reinventando todos os dias. 


Sozinhos somos formigas na imensidão do mundo, mas juntos temos a força de uma matilha de leões. 

Logo nós, mentes inconformadas. 


CLEO/Leão Jéssica Silveira 

Texto ganhador do concurso “Melhor Instrução Leoística” da conferência distrital 2021. 

domingo, 16 de agosto de 2020

Monólogo em frente ao espelho

Cenário: um espelho grande, um banco, uma mesinha, uma caixa (baú) escondida. Meia luz fechada.  

Entra na cena uma mulher vestida de negro, com fitas pela roupa. Fitas que se parecem grandes mangas. A luz vai abrindo conforme a mulher chega ao palco e se senta em frente ao espelho (diagonal para a plateia) e questiona (ora para o espelho, ora para ela mesma, ora para plateia).O monólogo segue com o uso do espelho, do banco, da caixa, da plateia e dela mesma.


      Por que nunca estamos satisfeitos com nada?
      Atinge-se  um objetivo e quer-se sempre mais. Mais, mais, sem jamais parar. Nada nos satisfaz. Nada preenche o oco que habita...
      ...em mim?
      Em mim.
      Em ti. 
      Em nós. 
      Exigimos pessoas perfeitas do mesmo modo que exigimos objetos perfeitos. Que são descartados ao apresentar falhas. 
      Nem mesmo nos damos conta (ou fingimos que não) da impossível existência da perfeição; tornando todas as pessoas falhas, imperfeitas, descartáveis. Mas continuamos buscando. 
      Por que nunca estamos satisfeitos com nada?
      Porque o ser humano é assim; e pronto. Vilão. Na boa natureza que o cerca e que depois da cerca mostra sua perversa face para Rousseau, que consegue ver ali o pobre bom selvagem aguardando para ser corrompido. Natureza astuta; com que intenção corrompe o homem? É isso que o torna insatisfeito? 
      Quem será o criador e quem será a criatura nesse cíclico dilema de corrupções? 
      Quem veio primeiro? 
      O ovo, ou a galinha?
      A bondade ou a perversão?
      Talvez encontremos perdida em alguma caixa que não foi aberta (se Pandora encontrou, por que não nós?) se Rousseau estava certo ao defender seu bom selvagem ou Hobbes protegendo sua boa natureza corrompida pelo homem. 

Enquanto a mulher pega a caixa e manipula sobre a mesa, entra um homem no fundo escuro do palco.


      Não pelo homem de Rousseau, que nasce bom. Talvez por Bentinho, que finalmente encontrou na caixa seu descanso eterno quando pôde descobrir finalmente a verdade sobre Capitu. 
      O certo é que por onde se anda o denominador comum é que nunca estamos plenamente satisfeitos com nada. 
      Com um pouco de sorte talvez encontremos também a resposta de mais uma questão fundamental. 

o homem - trajando um jaleco branco - vai se aproximando do centro/da luz do palco sem que ela perceba. O médico puxa gentilmente as fitas de sua camisa de força.


      Por que nunca estamos satisfeitos com nada? 

A mulher o recebe como um velho amigo, se acalenta em seus braços. A luz vai diminuindo enquanto a mulher cantarola Edith Piaff.


     “Non, rien de rien..”

Luzes se apagam.


                                                                 Jéssica Silveira

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Viajante

   Justo eu que sempre viajei tanto, escolhi me ancorar a um viajante. Quando percebi, ele já havia virado porto e me pedia pra ficar.  Mas me mostrava a imensidão do mar e me deixava livre pra mergulhar.
   E por ser livre, escolhi me prender, me ancorar e mergulhar nesse porto, que nunca foi calmaria. Foi mar revolto inundando cada parte de mim sem pedir licença. Rápido. Implacável. Me afogando em sentimentos que jurei nunca mais sentir. E me acolhendo enquanto arrepiava minha alma que acolhia a dele sem estranhamentos, como se já houvessem se tocado antes.
   Justo eu, que sempre fui terra firme e sempre quis ser mar, jamais um aquário, me encantei por um aquário(ano) e não tive medo de ser presa nesse aquário, porque ele me mostrou que posso ser muito mais que mar. Que posso ser oceano, terra firme... que posso ser o mundo inteiro sem perder nada de mim.
   “Navega comigo?” Ele me dizia. E não nos seguimos nem nos completamos, mas unimos nossas almas como se elas se pertencessem e navegamos lado a lado, hora sendo porto, hora sendo mar.


Parece uma linda história de amor, mas me tornei oceano e o aquário se tornou cada vez mais aquário, com paredes pequenas, fechadas, sem saída ou entrada de ar. Um oceano jamais caberia dentro de um aquário.